Quem faz o movimento?

Nesta edição histórica, a reimpressão do jornal INVERTA, após dois anos de edição digital, devido à pandemia da Covid 19, apresentamos, no quadro Quem faz o Movimento, uma entrevista exclusiva com o jurista Rui Belford Dias. O mesmo nos fala sobre sua vida política, do histórico jurista José de Aguiar Dias, seu pai, da sua militância na AP- Ação Popular e de sua atuação na OAB- Ordem dos Advogados do Brasil. Por último, fala da sua esperança no futuro e na juventude.

Nesta edição histórica, a reimpressão do jornal INVERTA, após dois anos de edição digital, devido à pandemia da Covid 19, apresentamos, no quadro Quem faz o Movimento, uma entrevista exclusiva com o jurista Rui Belfort Dias. O mesmo nos fala sobre sua vida política, do histórico jurista José de Aguiar Dias, seu pai, da sua militância na AP- Ação Popular e de sua atuação na OAB- Ordem dos Advogados do Brasil. Por último, fala da sua esperança no futuro e na juventude.

INV - Quem é Rui Berford Dias? 

Nasci na Tijuca, RJ,  tenho 75 anos. Sou  advogado, fui conselheiro da Ordem dos Advogados  do Brasil, pela Seccional do  Rio de Janeiro. Sou filho de  José Aguiar Dias, juiz e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e, posteriormente, ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça. Meu pai sempre foi um juiz independente e justo, que sempre defendeu a liberdade, a igualdade e os direitos dos mais desassistidos, e, em razão disso, quando do golpe militar de 1964, foi cassado pelo Ato Institucional nº 1, o primeiro AI a aposentar e tirar os direitos políticos dos cidadãos que se opunham ao regime que os militares viriam a implantar no país.

Meu pai viajou muito, conheceu Mau-Tse-Tung, e se encontrava no exterior quando foi cassado, integrando um grupo de juristas democratas. Minha mãe, Hilda Berford Dias, era uma pessoa boníssima, que me deu esse meu lado mais doce.

INV - Como foi sua vida e início politico?

RBD - Minha infância foi muito rica; ainda pude aproveitar todas as brincadeiras de criança na Tijuca. Na década de 50, a gente podia frequentar as favelas, eu ia brincar com as crianças de polícia e ladrão e, as vezes, éramos o ladrão; brincávamos de futebol, carrinho de rolimã; entrávamos nos quintais para pegar frutas; passei também muitas férias no Sul de Minas, terra do meu pai. Lá também brincávamos o tempo todo, andava de cavalo, pescava, caçava ,nadava no rio; esse contato com a natureza, com os bichos, essa diversidade cultural me ajudou muito na minha formação, porque desde cedo conheci e reconheci as dificuldades dos outros, passei a me emocionar; isso me permitiu, mais tarde, ter condições de escolher de qual lado eu queria estar.

INV - O golpe militar acontece na sua adolescência?

RBD - Fui para Brasília em 1962. Meu pai tinha sido nomeado Ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos, hoje o Superior Tribunal da Justiça- STJ. Estudei aí até vir o golpe que cassou meu pai; neste período ,eu já estava mais envolvido politicamente, fiz várias manifestações, me voluntariei para participar da resistência, que naquele momento era utópica, já que o próprio presidente João Goulart tinha escolhido a via pacifica.

INV - Você esteve na AP?

RBD - Quando voltei ao Rio de Janeiro, passei a integrar a Ação,  Popular  - AP,  não o braço armado,  mas o braço político, onde discutíamos, liamos muito os principais textos de esquerda, pichei paredes e muros, participei de manifestações na Barca Rio-Niterói, quando então a situação política piorou e veio o ato AI5; neste momento, a principal atividade era proteger aqueles companheiros que estavam em uma atividade mais perigosa; então fiz transporte de pessoas. Anos mais tarde, o movimento paralelo denominado Comando de Caça aos Comunistas (coisa que eu não era) me denunciou dizendo que foi eu quem transportou Lamarca para a Bahia. Fiz algumas tarefas arriscadas, talvez na época meio inconsciente, ou seja, não tinha muita clareza do risco que estava correndo. Houve a queda de muitos companheiros e eu mesmo estive preso rapidamenteapenas por poucas horas; não fui torturado, nem mesmo prestei depoimento, apenas um leve interrogatório. 

INV - Após o golpe que rumos tomaram sua vida?

RBD - Em 1970, passei por uma situação constrangedora: estava formado há pouco tempo e fui acompanhar uma senhora que alugara um apartamento que virou esconderijo das pessoas que estavam na luta armada; era uma senhora espetacular, que fora intimada pelo CENIMAR – Centrop de Informação da Marinha; ali ficamos “detidos” horas, sem que ninguém conversasse com a gente; de vez em quando eles abriam a porta da sala propositalmente para mostrar as pessoas que chegavam feridas pela tortura; o objetivo deles era tirar alguma coisa da minha cliente e, eventualmente, de mim.

Depois disso, fiz concurso para a Petrobras em 1974, e tive minha carreira foi toda lá, até chegar a Gerente Jurídico, vindo a me aposentar em 2003.

Afinal, a idade chega para todos nós.

Em 80 ou 81 fui professor também da UERJ onde fiquei por uns 7 e poucos anos como professor assistente.

Paralelamente, fui Conselheiro da OAB, Seccional do Rio de Janeiro, sempre integrante as Comissões de Ética e disciplina. Lá vimos de tudo, aprendi muito a dialogar, a ter paciência, porque a direita também era muito atuante, embora não tanto quanto hoje.

Ao me aposentar, prossegui com minha atividade de advogado no escritório que meu pai tinha fundado. Em 2016, fechei o escritório, e agora estou cuidando de aproveitar um pouco mais a vida. 

INV - Fale um pouco sobre o golpe de 64 e o golpe que afastou Dilma Roussef.

RBD - Antes da eclosão do golpe dos militares de 64, nós não tínhamos dimensão do que estava por de trás dele; tínhamos alguma ideia de que os Estados Unidos tinham colaborado, mas depois é que viemos saber que houve algo muito maior que simples apoio, houve um planejamento com objetivos bem claros. Assim como tinham interesse na Venezuela, tinham também no Brasil; queriam principalmente o petróleo, e o objetivo de manter a nossa posição de dependência deles. O Brasil tinha uma posição estratégica, principalmente depois dos movimentos de independência dos países africanos.

Em 2016, o que ocorreu foi um golpe da direita, que vinha esses anos todos se preparando para tomar o poder. Com o tempo, a direita aprendeu e desenvolveu métodos de atuação mais sofisticados, deixando a esquerda para trás nesse aspecto. Ficamos batendo pé nas mesmas programações, sem ver o que estava acontecendo na história.

O que ocorreu no governo Dilma foi uma demonstração muito clara do que essa direita fez: se preparou paciente e inteligentemente e, com uma maioria legislativa, impediu que um governo legitimamente eleito conseguisse governar. Um exemplo marcante disso foi a atuação da FIESP em São Paulo, comandada por Paulo Skaf, que orientou a que os empresários deixassem de fazer novos investimentos, e, sem investimentos, não há país que ande para frente, pois o governo é incapaz de investir sozinho. Dilma, devido a tais circunstâncias, fez desonerações e outras ações que pioraram a governabilidade.

Assim, os dois golpes, o de 64 e o de 2016, tiveram condições históricas e modus operandi bem diferentes.

INV -  Apesar dos golpes precisamos seguir, ter esperança no futuro.

RBD - Com certeza, a esperança é a única coisa que eles não conseguem tirar da gente; é o único bem que temos que é inalienável e que ninguém pode tirar de dentro da gente. Meu pai tinha uma frase que gostava muito de nos lembrar: uma vez, foi perguntado por um estudante se ele estava cansado de perder, ele respondeu que estava sim cansado de perder, mas de lutar nunca.

INV - Você é um assíduo apoiador do INVERTA, pelo qual agradecemos coletivamente; diga-nos o por que desse apoio.

RBD -   O principal motivo foi por vocês terem trazido uma posição política ao meu escritório, para minha equipe, para minha família e meus amigos, que trouxe um novo alento, uma nova esperança, de que alguém estava brigando, resistindo, de alguém que, embora pequeno, fraco, demonstrava uma resiliência fantástica, um orgulho do que estavam fazendo, apesar das adversidades. Isso era como ainda é comovente e me fez dizer: “vou apoiar esse pessoal, vou ajudá-los, porque vale a pena”.

INV - Ultimas palavras para os leitores do INVERTA, nossa juventude o povo em geral.

RBD - A primeira observação que eu faria enquanto advogado e cidadão é que nesse momento difícil do nosso país devemos em primeiro lugar tirar essa pessoa tão rancorosa que se encontra no governo, que fez de tudo para destruir tudo de bom que conseguimos construir durante todos esses anos de lutas e conquistas. A segunda observação é que nossa esperança está nos jovens, pois são eles que vão herdar todo esse conhecimento, toda a experiência dos mais velhos, que lutaram para que esses jovens tivessem no futuro um cenário que atendesse as expectativas deles. O futuro sempre pertence aos jovens, é aquela história: fazemos a escada e subimos alguns degraus, mas são eles que precisam continuar subindo novos degraus.

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